quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Contadores de histórias

Há alguns anos, me foi encomendada uma história para ser lida no "A hora do conto", que é uma atividade realizada em algumas escolas e creches, onde são feitas leituras de pequenos contos para crianças, visando despertar nestas, o interesse pela leitura e pelo encanto.

Mas percebí que preferia falar sobre o efeito mágico que a símples atenção dedicada aos pequenínos trazia.

Apaixonado pela metalinguagem - onde conto e contador se misturam - ví esta pequena fábula praticamente se escrever sozinha!

Espero que ao ler, você se sinta tão feliz quanto eu fiquei ao escrever.

- Luz, força e encanto para todos!

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“Com mais um passo ele estava em um vale cheio de folhagens e podia ouvir o borbulhar da água correndo e cantando em um pequeno riacho.
Ele ouviu algo sob o borbulhar do riacho: parecia alguém soluçando e engolindo. O som de alguém que estava tentando não chorar.
– Olá? ele disse
O soluço parou, como se assim se escondesse. Mas Tristan tinha certeza que estava vendo uma luz sob a aveleira. Por isto, foi andando em sua direção.” ...


Ela aproveita a pausa para olhar o menino.
O garoto tem a respiração profunda. Adormecera tranqüilo.
Ela sorri e fecha o livro.
Algumas vezes, ela lê a história até o final, mesmo que o menino tenha adormecido, pelo simples prazer de contar.
Mas não hoje.
O moleque brincou em ritmo frenético o dia inteiro, e o conjunto formado pelos pulos, corridas, escorregões, gritos, sorrisos e perguntas incessantes o haviam deixado cansado, e a ela, exausta!
Seu coração se aquece ao olhar para o menino que significa tudo para ela.
Então lhe dá um beijo sussurrando com voz morna de mãe “que os anjos guardem teu sono!”, e silenciosamente sai do quarto, se perguntando se o menino estaria correndo pelo bosque da história.

Não estava.

Em seu sonho, o menino brincava em uma tarde muito brilhante e ensolarada, quando ouve a corneta do vendedor de doces e sorvetes.
O carrinho é colorido, e o garoto descobre que tem todos, todos, todos, os sabores que ele tanto gosta!
Então o vendedor, com um sinal lhe oferece um doce, e o garoto procura a mãe com o olhar.
Quando a encontra, vê que ela lhe acena que sim, pode pegar todos os doces que quiser.
O menino então corre para o carrinho. Porém quando chega, o vendedor se afasta um pouco, levando o carro consigo.
O menino tenta alcança-lo, mas o vendedor se afasta novamente. E assim se mantém fugindo do garoto.
“Tio, porque o senhor está correndo de mim? Eu só quero um doce...”
“Não” - diz o vendedor.
“Mas porque?” - indaga novamente o menino com a voz triste.
“Porque se eu não tenho, ninguém terá” – diz o vendedor, agora um velho.


E em sua cama, o menino se agita em um sono difícil.

..........

- Durma bem! - ela diz
Beija a testa da menina, apaga a luz e fecha a porta do quarto.
A menina pensa na história que acabara de ouvir, e se imagina como a princesa dos cabelos “vermelhos como fogo” que vive nos castelo.
E apesar de não saber exatamente o que seja namorar, imagina que seja - pela forma como dizem os adultos - muito bom!
Ela se pergunta se um diria verá um príncipe moreno e forte, com voz grave e gestos firmes que sua mãe descreveu (embora não tenha entendido o que ela quis dizer com “do tipo que não vai embora logo de manhã cedo”).
Então seus pensamentos se misturam, seus olhos ficam pesados e ela adormece.

Em seu sonho, vê seus amiguinhos da escolinha, e os convida para brincar.
Mas um a um, sacodem a cabeça e vão embora.
“Esperem! Não vão embora! Vamos brincar...”
“Ninguém vai brincar com você” – diz um menino atrás dela.
“Porque?” Ela pergunta, virando-se para ele.
“Porque se eu não tenho amigos, ninguém terá” diz o menino, agora um velho.

Em sua cama, a menina não se agita, mas um olhar mais atento perceberia sua expressão contrariada.


..........



Todos os dias após o almoço, ela reúne os pequeninos da escolinha, para lhes contar uma historinha, antes do ‘sonínho da tarde”.
A administração da escola chama de “a hora do conto”, mas para esta moça, é muito mais que uma atividade curricular.
Esta é na verdade, a hora do dia que ela mais gosta, pois é quando pode ver o brilho naqueles olhinhos atentos.
O momento em que se sente realizada, porque sabe que as crianças realmente gostam dela. Não por sua beleza, ou por algo que possa dar, e sim porque por alguns minutos, ela os leva a lugares mágicos, com criaturas fantásticas e heróis incríveis.

Pacientemente, ela coloca todos sentadinhos em seus colchonetes espalhados pelo chão.
Respira fundo, para atrair sua atenção e começa mais uma história:

“Era uma vez...”

E enquanto conta a história, seu olhar percorre a sala, feliz pelo encanto que percebe nas crianças.
“E vocês sabem o que aconteceu?” Ela pergunta bem baixinho.
Todas as cabecinhas acenam que não, algumas de boca aberta, presas pelo suspense.
“Eu vou contar! Mas preciso que todos deitem e fechem os olhos” – e sussurra – “ Porque é segredo!”
E todos deitam e fecham os olhos.
Ela então fala sobre fadas e duendes, reinos encantados e príncipes valentes. Sobre castelos e princesas, promessas e desejos. E uma a uma, as crianças adormecem.
E conta sua história até o fim, pois acredita que alguns, mesmo dormindo, continuam ouvindo.
E ao terminar, talvez contagiada pelo sono dos pequenos, deita em um colchonete e adormece.

Abre os olhos e vê todos ainda dormindo. Então de alguma forma, percebe que também está dormindo. E que está sonhando.
No sonho vê alguém, talvez um velho, com uma espécie de casaco escuro, retirando os livros coloridos das estantes, e os colocando em um saco de pano, muito velho e sujo.
Ela caminha devagar até ele, tentando não acordar as crianças, e bem baixinho, lhe pergunta:
“O que está fazendo?”
Agora definitivamente um velho, ele vira surpreso, quase assustado, para ela, e a observa por um segundo.
Então recomeça a guardar os livros no saco realmente muito velho e sujo.
“Eu perguntei o que está fazendo!” ela diz em tom firme, porém suave.
O velho se detém por um instante, então retoma sua tarefa, apenas murmurando:
“Nada”
“Para onde está levando os livros?”
“Embora”
“Mas são os livros de historias das crianças!” – ela diz.
“Então não haverão mais histórias” e acrescenta: “Bom”
Ela tenta organizar um pensamento, sentindo-se boba por tentar argumentar em um sonho. Por fim diz:
“As histórias não estão apenas nos livros. Mas porque você quer os levar embora?”
Pouco dando atenção para a moça, o velho responde:
“Porque se eu não tenho histórias, então ninguém terá”
O velho é pequeno e parece fraco. Ela poderia impedi-lo, usando de força, se preciso, mas sente que este não é o caminho certo. Além do que, ele lhe parece triste e sozinho.
Por fim, pergunta:
“E porque você não tem?”
O velho não responde.
“Fale!” Ela diz com firmeza.
O velho parece se assustar com a firmeza da voz dela, e de forma quase inaudível, diz:
“Porque ninguém as conta para mim”.
Seu olhar é triste e vazio, e ela percebe que conhece este olhar. Lembra que já viu a solidão e a falta de esperança destes olhos em crianças órfãs, com as quais já trabalhou.
Lembra de como ansiavam por atenção, e de como aqueles mesmos olhos, ainda que só por um tempo, brilhavam quando ela lhe contava um conto.
Isto sempre a fez pensar em como é fácil trazer um pouco de alegria para o coração de uma criança.
Muito fácil.
Ela gentilmente pega o saco da mão do velho e recoloca os livros nas estantes.
Quando o saco ficou vazio, já não parecia mais tão velho e sujo.
Com voz suave e terna diz ao velho “venha cá”, e deita a cabeça de cabelos muito grisalhos e cansados em seu colo.
Então sua voz ressoa na sala.

“Há muito, muito tempo, em uma terra distante...”
E não ficou nem um pouco surpresa ao ver um menino em seu colo.




Não é sempre.
Mas em algumas noites, depois de dormir ouvindo histórias, crianças de todos os lugares, encontram um menino que não conhecem, com quem brincam e se divertem muito.
E é um menino muito feliz!


..........

3 comentários:

Anônimo disse...

Me vi agora, como na primeira vez que i:
Encantada!

Ana Paula Cecato disse...

Adorei!
Estive participando de uma oficina de contador de histórias... é maravilhoso!
Beijo

Unknown disse...

Propaganda enganosa, segundo o código do consumidor, é crime!!!

Todo o dia é a mesma coisa...hoje vou postar um baita texto no blog...e nada de texto!!!

Cadeia procê!!!

Bjus, Raq.

P.S. Veja o que é o costume de ser repreendida...estou tão acostumada a ouvir o famoso "sei quem é, tô vendo a foto" que eu não ia assinar!!!